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Agricultura na Ria tem salicórnia como estrela

postado por      Ago 1, 2021     Notícias    0 Comentários
Agricultura na Ria tem salicórnia como estrela

Texto adaptado da Notícia no Jornal O Ilhavense em Agosto de 2021 (Rodrigo Leite)

Agricultura na ria tem salicórnia como estrela

Sal verde é aposta da “Horta da Ria”

Horta da Ria planta, colhe e processa salicórnia com o objetivo de promover a laguna e reduzir o consumo de sal

A “erva do diabo”, nome que os antigos marnotos davam à salicórnia, é, nos dias que correm, uma das coqueluches da ria de Aveiro. A empresa de Júlio Coelho e Júlia Cavaz leva esta planta da água até às prateleiras, e são várias as opções, desde a versão em pickles à salicórnia em pó, passando obviamente pela fresca e até, mais recentemente, à cerveja.

Foi em 2009 que o casal Júlio Coelho e Júlia Cavaz conheceram pela primeira vez a salicórnia, durante uma festa de aniversário na Ilha dos Puxadoiros. “Experimentámos, achámos muito curioso e a vida continuou”, explica Júlio Coelho, revelando que só em 2013, como parte de “um curso de empreendedorismo do fundo de desemprego”, em que o objetivo era “criar uma empresa fictícia”, começaram a pensar mais seriamente sobre esta planta.

Em 2015, como explica, “surgiu a possibilidade de participar num laboratório de empreendedorismo organizado pela Universidade de Aveiro, a UACoopera, que “foi mais um passo através do qual estruturámos o modelo de negócio”, e onde surgiu a oportunidade de abraçar o desafio de explorar uma das marinhas da universidade, para cultivar salicórnia.

Em 2016, surgiu o desafio da Horta da Ria cuidar da produção de salicórnia na Ilha dos Puxadoiros, que já tinha produções de sal e de ostras. “A ilha tem uma  zona bem definida para a exploração de ostras, outra para a produção de sal, existia também uma zona de salicórnia, a qual nunca tinha sido explorada em termos comerciais”, explica Júlio Coelho, revelando que no final desse ano conseguiram “um contrato com a Universidade de Aveiro para a exploração de uma das marinhas da Universidade de Aveiro, e ao mesmo tempo, um contrato de parceria com a Ilha dos Puxadoiros, onde começámos a desenvolver toda a vertente comercial e tecnológica relativamente à salicórnia.

O negócio, propriamente dito, teve início concretamente em 2017, tendo a Horta da Ria ficado, nesta fase, na incubadora no município de Ílhavo. “por lá permanecemos mais de um ano, e depois passámos para o Parque Ciência e Inovação”, afirma Júlio Coelho, lembrando que “tivemos sempre aqui grandes apoios, quer por parte da universidade, quer também do município de Ílhavo”.

A Horta da Ria acabou por sair do Parque Ciência e Inovação, “porque o nosso primeiro sentido de negócio era fazer a salicórnia em pickles, salicórnia em pó e a salicórnia fresca”, o que se traduzia na necessidade de ter uma estrutura física mais complexa, para além desta não ser a única ocupação do casal, como explica Júlia Cavaz. “Nós fazemos isto fora das horas de trabalho. É um hobby que começa a ocupar muito tempo”.

 “A Júlia nasceu em Ílhavo, eu vim de Angola com quatro anos para aqui, por isso também já sou de Ílhavo, e sempre olhámos para a ria como algo com um tremendo potencial”, afirma o empresário, revelando que “felizmente, nestes últimos anos, tem-se estruturado nomeadamente com as ostras, com outros bivalves e também com algas”.

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Aplicações

A salicórnia produzida pela Horta da Ria tem várias aplicações, que vão desde a utilização fresca para culinária até à utilização em produtos de cosmética, como explica Júlia Cavaz. “Como tem propriedades antioxidantes, é um bom produto para a cosmética”, disse, complementada por Júlio Coelho. “Contem ferro, antioxidantes, ómega3 e toda uma série de propriedades” ideais para a saúde.

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Características

A salicórnia é uma planta sazonal, que começa a germinar em março, abril. “Em agosto floresce e cria uns nódulos que secam e daí cai a semente”, que depois germina no ano seguinte, explica Júlio Coelho, revelando que no primeiro ano de produção “colhemos uma tonelada de salicórnia à tesoura, à mão, o que não era ideal para o negócio, porque era preciso ter muita mão de obra”. Já no ano passado, 2020, a Horta da Ria adquiriu uma máquina de corte de salicórnia, máquinas que já eram usadas com sucesso por produtores holandeses de salicórnia. Esta alteração provocou um aumento de 1000% na sua produção. “Passámos de uma tonelada por ano, para dez toneladas, que foi o que apanhámos o ano passado”, revela o empresário.

A Horta da Ria produz salicórnia fresca, mas também produz salicórnia em pó e em pickles. É mais usada para saladas, como explica Júlio Coelho, “mas tem um handicap, que nós tentámos resolver, o facto de só durar 20 a 30 dias no frio”. Deste problema, nasceu a ideia de produzir salicórnia em pickles, em conserva de vinagre, que “aumenta a sua duração para um ano”, e, se for desidratada e moída em pó, o produto em vez de durar 20 dias, dura três anos, ou mais”.

A transformação de salicórnia em pó veio contribuir para a criação de “um novo sal, mais saudável, o sal verde”, diz o empresário, lembrando a longevidade que esta planta tem na culinária portuguesa. “A salicórnia, em termos históricos, é usada há mais de 500 anos na alimentação”, diz, apesar de não ser uma planta bem vista por quem trabalhava nas marinhas de sal. “Os nossos marnotos não gostavam muito dela”, avança Júlia Cavaz, revelando que “até lhe chamavam a planta do diabo, porque ela nascia no meio das marinhas”. Para os marnotos antigos, a salicórnia “era quase como se fosse uma erva daninha”, conclui.

Uma das vantagens no consumo da salicórnia está na redução da ingestão de sal, já que “100 gramas de salicórnia em pó, tem 23 gramas de sal”, explica Júlio Coelho, revelando que em termos de utilização, a quantidade é idêntica, às vezes até menor. “Estamos a reduzir em 75% a quantidade de sal que consumimos”, conclui. Júlia Cavaz explica ainda que pretendem divulgar os produtos no universo de pessoas que sofrem de hipertensão, por exemplo, “porque somos contactados por pessoas que sofrem de doenças em que o consumo de sal é prejudicial e querem saber se a salicórnia é uma alternativa.”

A salicórnia pode ser utilizada como substituto do sal de cozinha nas preparações culinárias, uma vez que apresenta menores quantidades de sódio (aproximadamente 1 176 mg/100 g vs. 38 758 mg/100 g).

Parcerias

Outras das parcerias de sucesso da Horta da Ria foi com a Moagem Carlos Valente, em Vale de Ílhavo, onde se produz uma farinha de trigo com salicórnia, para fazer pão. “É feita em mó de pedra e depois é adicionada a salicórnia, para fazer pão, explica Júlio Coelho, lembrando que “o pão fica com menos 75% de sal, e como esta farinha já tem salicórnia, as pessoas que fazem o pão não precisam de adicionar sal”. O empresário referiu ainda as “novas invenções que há por aí, em que se fazem bases de pizza, panquecas, etc”.

A mais recente parceria da Horta da Ria foi com a Lovecraft Portugal e com a Burguesa Porto Craft Beer, para produzir a Oyster Stout, uma cerveja feita à base de ostras e de salicórnia.

O casal de empreendedores referiu ainda a colaboração do chef Ricardo Marques, do restaurante do Montebelo Hotel, na Vista Alegre, com a criação de receitas com salicórnia, destacando os “peixinhos da horta, que é a tempura de salicórnia” e um brownie de chocolate com salicórnia fresca, tornando-se um dos principais promotores da Horta.

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Prémios

A Horta da Ria já venceu alguns prémios e distinções, destacando-se o prémio inovação da Junta de Freguesia de S. Salvador e o prémio do projeto Blue Bio Value, apoiado pela Fundação Oceano Azul e pela Fundação Calouste Gulbenkian, em que apresentaram “uma unidade de desidratação e de moagem móvel, em que podemos levar para as marinhas, colher, desidratar e moer em sistema de aproveitamento da energia solar”, afirma o empresário.

Outro desafio que a Horta da Ria enfrentou foi a exigência que o mercado internacional colocou, já que há muita procura de salicórnia nos países nórdicos. “Querem 200, 300 quilos por semana, mas querem durante o ano inteiro e nós usamos o ciclo natural da planta, com as suas propriedades e com as suas caraterísticas”, explica Júlio Coelho.

Júlia Cavaz confessa ainda que pensou produzir salicórnia em estufa, ideia que abandonou porque optou por respeitar o ciclo natural da planta e contribuir para a sustentabilidade do produto, pois cada vez mais, as pessoas procuram produtos locais, respeitando a sua sazonalidade.

 

Os produtos da Horta da Ria podem ser encontrados na Casa da Ria, em Aveiro, que “sempre foram nossos parceiros e têm todos os nossos produtos”, e na Girassol, em Lisboa, para além da venda direta através do site da empresa, ou mesmo através do contacto direto com a empresa.

https://oilhavense.com/2021/08/12/salicornia-e-estrela-da-agricultura-na-ria/

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